Como sócio na Fundamento, uma das lições mais profundas que aprendi ao longo dos anos é a importância de alinhar cada ação e decisão ao propósito central da organização. Quando há um desalinhamento com o propósito, a empresa começa a enfraquecer suas bases, e aquilo que a define – sua identidade – passa a se diluir no cenário competitivo. O que parece, inicialmente, uma pequena incongruência pode, com o tempo, gerar uma desconexão crítica entre a visão da empresa, seus colaboradores e o mercado.
O propósito é o coração de qualquer organização, e ignorar esse centro vital pode ser fatal. É como um farol que guia não apenas a estratégia, mas também a cultura, o comportamento dos líderes e a forma como os produtos e serviços são entregues ao cliente. O renomado autor Simon Sinek, em seu famoso livro Start with Why, define o propósito como o "porquê" das empresas – a razão pela qual elas existem, além de simplesmente buscar lucro. Quando esse "porquê" é ignorado ou obscurecido, a empresa começa a perder seu caminho, tornando-se vulnerável a falhas internas e à competição externa.
A Síndrome do Desalinhamento: Causas e Consequências
No cenário corporativo, o desalinhamento com o propósito pode ocorrer de maneiras sutis. Pode surgir quando decisões estratégicas são tomadas sem considerar os valores fundamentais da empresa, ou quando os líderes começam a priorizar ganhos imediatos em detrimento de suas crenças e compromissos de longo prazo. A Fundamento já trabalhou com empresas que enfrentaram exatamente esse problema: líderes que, por pressão de resultados rápidos, optaram por seguir caminhos que, embora lucrativos a curto prazo, eram contrários à essência da organização. O resultado foi uma equipe desmotivada, uma marca enfraquecida e uma desconexão crescente com seus clientes.
Uma analogia que gosto de usar, baseada nas experiências que vivi, é a de um navio à deriva. Imagine uma empresa como um navio que tem um destino claro: o propósito. Se o capitão decide ignorar a rota, seja por pressão externa ou interna, o navio começa a se desviar lentamente. A princípio, os tripulantes podem nem perceber a mudança de direção, mas à medida que o tempo passa, o navio se afasta cada vez mais de seu destino original. O que era para ser uma jornada rumo à excelência e ao impacto positivo torna-se uma viagem confusa, onde a identidade da organização se perde em um mar de decisões desconectadas.
Na Fundamento, lidamos com esse tipo de situação diversas vezes. Empresas que, por anos, seguiam uma rota clara e bem definida, mas que começaram a desviar de seus valores em busca de novas oportunidades que, embora promissoras, não refletiam quem elas realmente eram. A consequência? Desengajamento dos funcionários, perda de fidelidade dos clientes e, em muitos casos, a desestruturação interna da organização.
Casos de Desalinhamento: Aprendendo com o Erro
Um exemplo clássico de desalinhamento com o propósito vem da Enron, uma das maiores e mais trágicas falências corporativas dos anos 2000. A Enron foi, em seu auge, uma das empresas mais admiradas do mundo, com uma marca que se alinhava à inovação e à disrupção no setor de energia. No entanto, à medida que os líderes da Enron começaram a priorizar resultados financeiros em detrimento de práticas éticas e transparentes, a empresa perdeu de vista seu propósito original. A busca por lucros rápidos gerou um escândalo contábil de grandes proporções, que não apenas destruiu a empresa, mas também abalou a confiança de milhares de investidores.
O caso da Enron é um lembrete do que pode acontecer quando os líderes de uma organização colocam o curto prazo acima do propósito, subestimando a importância da integridade organizacional. Como aponta o acadêmico Jim Collins em seu best-seller Good to Great, as empresas que perduram e se destacam são aquelas que permanecem fiéis a seus valores centrais, mesmo diante de adversidades. Para Collins, o verdadeiro sucesso é construído com base em um propósito claro, inabalável, e que é promovido de forma coerente em todas as decisões da empresa.
Liderança: O Guardião do Propósito
Se há um ponto crucial que aprendi em minha jornada como líder na Fundamento, é que a liderança é a guardiã do propósito. Os líderes, mais do que ninguém, precisam estar comprometidos em garantir que cada passo dado pela organização esteja em alinhamento com seus valores e missão. Isso não significa ser inflexível ou ignorar novas oportunidades. Pelo contrário, significa avaliar cada nova iniciativa sob a lente do propósito: essa decisão está alinhada com quem somos e o que buscamos realizar a longo prazo?
Um exemplo recente que reforça essa importância vem da Patagonia, uma empresa reconhecida por seu compromisso com a sustentabilidade e o meio ambiente. Em vez de buscar apenas o lucro, a Patagonia fez de seu propósito – a preservação do planeta – a força motriz de todas as suas decisões. Isso não apenas fortaleceu a marca e a lealdade dos clientes, mas também permitiu que a empresa tomasse decisões ousadas, como fechar suas operações durante grandes dias de compras, incentivando seus clientes a consumir de forma mais consciente. O sucesso da Patagonia mostra que manter o propósito no centro da estratégia pode, paradoxalmente, gerar lucros sustentáveis a longo prazo.
O Custo de Ignorar o Propósito
Ignorar o propósito de uma empresa é um caminho perigoso que pode levar à fragmentação da marca, à insatisfação dos funcionários e à alienação dos clientes. "A cultura come a estratégia no café da manhã", como já disse Peter Drucker, e o desalinhamento cultural é um dos primeiros sinais de que o propósito foi deixado de lado. Quando os colaboradores começam a perceber que as ações da empresa não refletem mais seus valores fundamentais, o engajamento diminui, e a cultura organizacional começa a se corroer.
Uma pesquisa realizada pela Deloitte mostrou que 73% dos funcionários que acreditam no propósito da empresa estão engajados em seu trabalho, em comparação com apenas 23% daqueles que não veem um alinhamento claro. Isso demonstra que o propósito não é apenas um conceito teórico; ele tem um impacto direto na performance e na retenção de talentos. "Uma organização sem um propósito claro está fadada a se perder", como afirma Howard Schultz, ex-CEO da Starbucks, e o impacto pode ser devastador a longo prazo.
Manter o propósito como uma bússola central nas decisões empresariais não é apenas uma questão de identidade; é uma questão de sobrevivência no mercado competitivo. O desalinhamento com o propósito pode parecer, a princípio, uma pequena incoerência, mas, como vimos em inúmeros casos, pode levar a uma série de consequências graves, tanto internas quanto externas.
Na Fundamento, acreditamos que o propósito é a base de qualquer empresa bem-sucedida. Ele orienta não apenas as decisões estratégicas, mas também define como as empresas se relacionam com seus funcionários, clientes e o mercado. Como líder, vejo diariamente a importância de garantir que cada ação, cada inovação e cada mudança esteja alinhada com os valores centrais da organização. Porque, no fim das contas, sem um propósito claro, a empresa pode até sobreviver, mas jamais prosperará.
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